Imperialismo Cultural na Igreja

Este artigo é de Álvaro Jr. e eu ví no blog do MySpace dele. Eu poderia simplemente linkar para lá, mas achei tão relevante que pedi a ele para reproduzir o artigo aqui na íntegra. Mas antes é bom apresentar o Álvaro Jr. né? Ele é cantor e compositor cristão que consegue transmitir sua sensiblidade e arte em seus discos. Eu sou um fã desse cara. Principalmente o seu disco "Orações Musicadas"

A igreja brasileira precisa discutir muito sobre arte. Existe um equívoco quanto a isso do tamanho de nosso país. O Álvaro dá neste artigo uma excelente contribuição neste sentido. Leia com muita atenção e sobretudo... pense muito nisto.

Imperialismo Cultural na Igreja

"Nos séculos passados, a Igreja, o sistema educacional e as autoridades públicas desempenharam um grande papel ao inculcar os povos nativos com idéias de submissão e lealdade em nome de princípios divinos ou absolutistas. Se bem que estes mecanismos 'tradicionais' de imperialismo cultura ainda operem, novas instrumentalidades modernas enraizadas em instituições contemporâneas tornaram-se cada vez mais centrais para a dominação imperial". (James Petras)

De certo que fomos evangelizados primordialmente por Holandeses, mas substancialmente pelos Norte-americanos. De certo que, se não fosse o crescimento do capitalismo Norte-americano, seria difícil os protestantes se sustentarem quando se iniciavam no Brasil. De certo que as principais denominações Brasileiras foram implantadas por Norte-americanos ou por pessoas que passaram nos EUA. De certo que os Norte-americanos manifestam voluptuosa liberalidade financeira para contribuir em missões, quem é da área sabe o quanto é verdade. De certo que através desta liberalidade expressada não só em recursos, mas em disponibilidade, tantos missionários Norte-americanos entregaram seu tempo e sua vida em prol da evangelização dos brasileiros.

Naturalmente nós, cristãos evangélicos, nos tornamos fruto do comportamento e da teologia praticada nos EUA, porque eles são nossos pais espirituais. Pergunto-me até que ponto é positivo continuar sofrendo essa influência nos dias de hoje. Imagino até que ponto devemos manter em nossas livrarias 85% dos livros escritos por americanos. Se os maiores pensadores evangélicos estariam lá pra que se justificasse isso. Se devemos enviar os nossos ministros de música, pastores e líderes para se especializarem nos EUA. Se devemos reproduzir, na arte cristã evangélica, o padrão Norte-americano por mais que pareça colagem de criança.

O baixista Abraham Laboriel, muito conhecido integrante do ministério Integrity e participante de grandes turnês com músicos brasileiros famosos, disse ao presenciar uma ministração de louvor em certa Igreja brasileira:
"Pensei que ia ouvir aqui a música mais rica do mundo expressada pelo povo mais criativo do mundo, mas tive que me contentar em ouvir a música do meu povo sendo mal feita".
Esse duro comentário talvez explique porque os Norte-americanos não vivem tentando gravar nossas canções e a gente vive pedindo as deles pra gravar. Eles acham que a música cristã brasileira que ganha notoriedade é uma tentativa frustrada de reproduzir a cultura deles, o que pra eles é lamentável, e me pergunto se não deveria ser pra nós também.

Deve se entender por cultura, a prática comportamental habitual de um povo. O povo brasileiro tem uma cultura mesclada com o resto do mundo, tem um poder especial inclusive de se readaptar. Um resultado negativo dessa mescla é o sincretismo religioso. A busca de uma fé comum entre religiões mascarada pelo espírito de tolerância serve pra ações conjuntas sociais, mas nunca para unificar o não unificável, pois não dá pra juntar convicções que se opõem entre si. Mas a mescla tem uma vantagem e imagino se não poderíamos aproveitar isso. Missões é essa vantagem. Todo missionário sabe que se adaptar à cultura local facilita a evangelização. Quem age diferente geralmente tem interesses escusos. O John Huss foi enviado para evangelizar na África enquanto realizava seu trabalho científico e, ao se adaptar aos costumes locais, sem abrir mão dos preceitos cristãos, foi interpelado pela Rainha da Inglaterra e caracterizado como traidor. Ele se manteve firme em suas convicções e obteve bons resultados. Vê-se que a Inglaterra queria era poder, mas Huss queria era pregar o evangelho.

Imagina-se que os EUA se utilizaram da evangelização protestante para globalizar mais uma vez o "American way of life". Se não fosse assim, certamente há no mínimo que se questionar a metodologia missiológica para não fazer transparecer essa intenção. Pois fazer missões exportando cultura é tentar mudar as pessoas de fora pra dentro e parece que nossos irmãos dos EUA muitas vezes agem assim. Os Norte-americanos vêm para o Brasil oferecer cursos, pra pregar em conferências ou pra passar métodos. Interessante é constatar que quando a gente vai pra lá é só pra tomar cursos, participar de conferências e aprender métodos. Para a maioria deles e principalmente pra nós brasileiros a gente não tem nada pra oferecer. Essa relação unilateral me faz pensar se não estamos sob uma mentalidade de baixa auto-estima, se sabemos olhar para nós mesmos e vermos que somos grandes quando fazemos Igreja do nosso jeito. Veja aí a Assembléia de Deus brasileira; a maior e mais adaptada de todas. Mas a gente insiste em pensar que só eles entendem como se faz uma liturgia, só eles sabem a melhor forma de gerir pessoas e de fazer a Igreja crescer. Por fim a gente acaba gastando tempo e dinheiro pra aprender com eles a descer a ladeira.

A gente deveria se informar melhor e perceber como está a Igreja nos EUA. Pra começar, ser evangélico nos EUA é como ser católico no Brasil. George Bush é Batista (me perdoem os Batistas brasileiros que se envergonhariam de ter um presidente nas características do Bush como seu representante) e é um profeta de Mamon. Milhares de Igrejas fecham por ano nos EUA. A razão é que as pessoas estão procurando um motivo pra ir à Igreja e não estão achando. Por isso o objetivo da Igreja Norte-americana é descobrir como não perder mais pessoas. Para tanto, concluíram que a melhor forma é investindo no entretenimento e em estruturas de integração. Muitas igrejas têm consultores de marketing e diretores de recursos humanos para verem a melhor forma de satisfazer os membros.

Aqui no Brasil a gente ainda pensa que a sustentação dos crentes é pelo poder de Deus. A gente ainda sonha encontrar uma metodologia mais Bíblica possível e imagina que a comunhão é mantida na unidade do Espírito Santo. Será que devemos mudar isso? Se temos tanto o que aprender com eles, infelizmente a maior lição seria de como fazer com as mãos humanas o que é papel de Deus. Se continuarmos importando teologia e comportamento de lá, certamente a Igreja brasileira se tornará mais organizada e menos cristã, como hoje é a de lá. Temos que ter muito esse cuidado.

O termo ekklesia, que dá origem à palavra Igreja, significa grupo de cristãos chamados para fora, fora dos hábitos mundanos, mas também fora das paredes invisíveis do nosso comodismo e da "panela" de salvos. Portanto se saímos do nosso ambiente para outro, objetivemos o outro que vive lá. Portanto, se estamos no Brasil, temos que pensar em fazer arte, comunicação e relacionamento como autênticos brasileiros que somos. De certo que acima de tudo somos cidadãos do Reino de Deus, cuja nacionalidade é celestial, mas não vale a pena execrar a cultura de um povo quando ela pode ser usada como instrumento. Lembremos de Paulo que se fez de tudo para ganhar a muitos.

Independentemente do estigma que ganhou o título "artista", fazemos arte quando expressamos comportamento expressivo através dos veículos artísticos, tais como música, dança, teatro, escrita, pintura, escultura, design etc. Faço um apelo aos que fazem arte evangélica, que façam arte brasileira. Se o objetivo principal da expressão artística cristã é a evangelização, não seria correto pensar em que devemos utilizar mais da cultura brasileira para isso?

Certa vez estive no Interior de Pernambuco. Lembro que as pessoas cantavam aquela música evangélica como se fosse simplesmente música. Fazer isso é uma barreira que quebramos. Quando vemos grande aglomeração de eventos sem nenhum descrente, geralmente a trilha sonora é Norte-americana de colagem. Quando a gente toca música brasileira, meio mundo de fariseus ficam julgando, mas caímos na graça do povo. A linguagem da arte quebra as barreiras, porém quanto mais evangelicalista é nossa arte, menos não evangélicos vamos atingir. Então que critiquem os que se dizem evangélicos. Se ganhamos almas convivendo com críticas, onde se fundamentarão as críticas?

Álvaro Júnior

Comentários

Walter Cruz disse…
Esse artigo do Álvaro Júnior é muito bom!

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